domingo, 6 de junho de 2010

SAMANTHA

- Soraia! - Chamo. Grito. - Soraia fogo! Vem aqui imediatamente! - Ordeno imperativamente.
O meu quarto está um horror. A roupa espalhada pelo chão, o caixote dos papeis derrubado, com o seu conteúdo à volta, as coisas da secretária no chão. E o pior de tudo... É que não fui eu que fiz isto.
Ela aparece.
O cabelo negro, liso, cumprido, completamente desgrenhado. Os olhos verdes e brilhantes tão amáveis (e mentirosos) que olham para mim alegres, contentes. De toalha à volta do corpo, morena, anta e magra.
O meu pai está no trabalho, a minha mãe foi ao jardim com a minha tia e com o João, e eu não posso ir ter um bocado com o Tiago que acontece uma coisa destas. Às vezes penso, se não se enganaram e sou eu a irmã mais velha.
- Não podias ir para o teu quarto? - Pergunto arrancando-lhe a vassoura que ela escondera atrás das costas. - Tinha mesmo que ser no meu?
- Claro que podia. - Responde-me rindo, com a maior das calmas e sinceridades. E eu pergunto-me "O que fiz eu a Deus para ter uma irmã assim?".
Olho-a nos olhos e ela devolve-me o olhar. Sorri. Falsa ou verdadeiramente, já não me interessa. A minha relação com ela, já está, há muito, resumida a "Passa-me o pão por favor" há hora do jantar e a estas discussões sem nexo, tudo porque ela tenta encarecidamente, fazer-me a vida negra.
- Desculpa lá maninha. - Diz sorrindo, e vai-se embora.
Que realidade!
Que vida"
Que estupidez!
Se não fosse o Tiago...
O que seria de mim?
E riu-me.
Por um momento.
Dou uma gargalhada e penso.
"Realmente podia ter sido eu a desarrumar o quarto" E pegando na vassoura, ignoro todos os vestigios que me possam incriminar numa cena demasiado imaginativa para me fazer chorar.

PATRÍCIA

- Patrícia tu não és minha irmã, mas sabes que te vejo como tal. És a minha melhor amiga, sabes perfeitamente disso. E o que te digo, por muito que te custe ouvir, é apenas e somente para teu próprio bem. - Diz-me a Paula.
O João está a brincar. Aquele baloiço ferrugento para o qual os meus olhos são arrastados a cada cinco minutos.
É meu sobrinho, filho do meu irmão. O irmão que eu deixei de conhecer à tanto tempo.
- O facto de eu não querer casar não quer dizer que eu não o ame Paula - Digo já farta do tal assunto. Inspiro fundo e ganho forças para continuar a falar, e apenas dizer aquilo que já repeti mais de cinquenta vezes. - Quer apenas dizer que eu ainda não estou preparada para casar.
O casamento!
Credo!
Eu ainda sou tão nova. Porque têm que me empurrar para algo que eu não quero? E. sinceramente, o que vai mudar se casar agora? Eu vivo com o Pedro. Casar é apenas um monte de papelada sem nexo.
- Mas ele quer casar contigo. Já fez o pedido três vezes Patrícia... - Olha para mim directamente nos olhos, preparando-se para dizer algo muitíssimo importante, como se fosse a chave para eu mudar de ideias. - E em público Patrícia. - O João continua a brincar. Por momentos apago-me desta conversa chata sobre o que eu hei ou não de fazer, como se fossem os outros que tivessem que tomar as minhas decisões. Olho mais atentamente para o meu sobrinho, e sorriu. É igual ao pai quando pequeno. Os cabelos finos e lisos, quase brancos, os olhos tão azuis como céu, o sorriso brilhante, o ar inocente. Lembro-me do Afonso assim, quando me protegia dos outros, e essa recordação aparece-me tão distante, que até penso se será um sonho. A Paula fala mais alto, certa de que a deixei de ouvir, e, de repente, sou de novo empurrada para a minha estúpida realidade. - O teu irmão tem razão, olha o que as pessoas vão pensar.
E aquelas palavras espetam-se no meu peito como facadas.
Olho-a nos olhos.
São brilhantes, verdes. As pestanas tão perfeitamente enroladas pelo rimel. A sombra que combina tão perfeitamente com a roupa e, por um instante, toda aquela combinação de perfeição mete-me nojo.
- Como - Pergunto tentando controlar a voz. - Mas como, é que és capaz de dizer uma coisa dessas?
Os olhos dela, compreensivos e tão inocentes, quase que me embalam, num acto de amor e compaixão que eu não queria nem precisava.
- Eu sei que não gostas que te digam isto mas... tens que pensar mais ...
- No que as outras pessoas pensam de mim? - Interrompo-a. ela olha-me espantada, certamente não esperando esta minha reacção tão explosiva. - Paula se não tens nada de jeito para dizer bem podes dar duas voltas e ir embora.
Ela olhou para mim, mais uma vez compreensiva, no entanto, tanto eu como ela, sabíamos que por muito que eu ripostasse, a minha vontade não iria ser ouvida.

sábado, 5 de junho de 2010

PASSADO 2008 (PAULA)

A minha vida?
É maravilhosa!
Tenho três filhos adoráveis, um marido espectacular, uma carreira que tantos invejam e (apesar de ser velhota) o meu aspecto não o denuncia.
Ou seja... Tenho tudo para ser uma mulher feliz.
No entanto... Existe algo que me faz pensar duas vezes antes de o dizer, com toda a claresa.
Apesar de tudo o que ocorre a meu favor, eu penso, por vezes, será que valerá a pena continuar com este sorriso?
Esta capa que eu visto, apenas para ocultar algo pesaroso. Algo que eu não quero demonstrar para as outras pessoas.
Na verdade, e por muito que me custe admitir, quando os problemas, os grandes problemas, estão dentro das nossas quatro paredes, é mais fácil sorrir.
Sorrir para dentro e para fora.
E esperar... Que os problemas se resolvam... Sozinhos!

SORAIA

Eu gostava tanto... mas tanto... mas tanto, tanto, tanto que as coisas voltassem a ser como eram.
Tenho saudades sim!
De quando os meus pai me perguntavam:
- Então Soraia, querida como correu a escola?
E eu, feliz e contente da vida, dizia:
- Muito bem mamã. E o teu trabalho papá? Como está a mana?
E eles respondiam que sim.
Mas isso era quando a Samantha era pequena. Mas ela cresceu...
E de repente, a "mamã" e o "papá" passaram a dizer:
- Então Samantha como correu a escola?
e ela, feliz e contente da vida, dizia:
- Muito bem... e como estão vocês?
E eu ficava ali, a assistir à conversa amigável entre os três, e enquanto esperava que se lembrassem de mim (algo que nunca aconteceu) sentava-me no sofá. E quando perguntava, apenas para meter conversa, onde estava o comando, a resposta que obtinha era:
- Sempre agarrada à televisão, ao telemóvel e computador Soraia. Mas ajudar em casa está quieta.
E eu, feliz e contente da vida, subia as escadas, farta de os ouvir tratar a Samatha como se fosse a filhinha deles, e eu a enteada ranhosa.
Para piorar a situação o Tiago nasceu. E, apesar de não o poder culpar, eu fui completamente esquecida.
Hoje, quem sou que?
E o que faço aqui?
Hoje, que a minha irmã já é uma adolescente, hoje que eu já sou adulta, hoje que o meu irmão é um pequeno diabrete... O que pensam os meus pais?
Se lhes perguntar se sabem quem é o meu namorado eles não sabem responder.
Se lhes perguntar quantas vezes eu chumbei na escola, eles não sabem responder.
Se lhes perguntar qual é o meu estilo de musica preferida, eles não sabem.
Se lhes perguntar quantas vezes fui campeã de crool eles não sabem.
Mas se lhes perguntar quantas vezes a Samantha caiu e quantas nódoas negras, eles respondem quase em coro.
E sabem o que é mais surpreendente?
É que eles acertam...

PRESENTE 2010 (SAMANTHA)

A verdade?
Que verdade?
Até tem piada!
Porque quando me perguntam qual é a verdade, eu fico indecisa. Digo a minha... ou a deles?
Realmente, eu acho que essa treta toda da verdade e da mentira, foi mais uma das invenções estúpidas do ser Humano.
Uma invenção que o povo foi aceitando. E tudo aquilo que não lhes agrada é o que?
Mentira!
E então tudo aquilo que o povo acha benéfico para si é o quê?
Verdade!
Tão bonito!
Então e afinal o que é a mentira?
Quem são os mentirosos?
Dou um exemplo (Pois acredito que este é o melhor a dar):
Quando há um jogo de futebol entre duas equipas tão conhecidas e existe uma situação de penalti...
Verdade ou mentira?
Mentira!!!! Para os que sofrem o penalti.
Verdade!!! Para os que marcam o penalti.
Então afinal o que é a verdade e a mentira?
Pois bem...
Por isso eu digo.
Não existe verdade nem mentira.
Existem duas opiniões contrárias.
E quando me perguntam assim:
- Samantha,diz a verdade! O que é que aconteceu?
Eu pergunto-me:
Digo o que sei... Ou aquilo que eles querem ouvir?

24 / Abril / 2008

De ----> S <3
Para ----> T @

São poucas as pessoas que percebem. Meu Deus! Até pergunto se há quem perceba.
O mundo em que vivemos nem sempre é cor-de-rosa.
Como tu sabes, a vida é feita de oportunidades. Oportunidades que nos cabe aproveitar, ou não.
Deveríamos ser nós a escolher o nosso caminhos, o nosso percurso enquanto Homens ou Mulheres. Mas a verdade é que nem sempre acontece isso. E tu, tu entendes. Melhor que ninguém TU sabes, por tudo aquilo que eu passei.
A verdade é que em toda a minha vida, nunca ouve aquele momento chave. Aquele momento em que eu poderia optar. Entre o certo e o errada, se deveria mentir ou dizer a verdade. Nunca ouve um momento em que pudesse ser EU a escolher.
E é por isso que te escrevo. Sempre foste a pessoa com quem desabafei. A pessoa que guardava os meus segredos, fossem eles quais fossem. Acho que tens o direito de saber o que estou prestes a fazer. A dizer perante todo o mundo. Num acto cruel e egoísta.
Eu sei, eu sei!
Mas é esta a MINHA decisão.
É isto que eu penso e é isto que eu vou fazer...
Sabes... Muitas pessoas falam da morte, como se soubessem o que é. Como se por lá já tivessem passado. Pois bem, eu não te vou falar da morte, até porque acho, que mesmo que falasse, nada de verto poderia dizer.
Bem que eu gostava.
De poder olhar e ver mais alguma coisa. Bem que eu gostava, de falar e sentir todas as palavras que brutam da minha boca. Vivê-las, murmurá-las e percebe-las. Saber que não é apenas mais uma mentira mal dita.
Bem que eu gostava..
Se calhar a culpa até é minha. E se calhar, a verdade encontra-se nesse meio entre a mentira e aquilo que eu penso. Um equilíbrio que eu procuro, de certa forma nunca querendo encontrar. Pergunto se o problema é meu. Pergunto se a culpada sou eu, e uma imagem aparece pouco nítida no meu pensamento.
Não me perguntes o porquê. Não me perguntes como, nem o quê. Pois tudo o que eu quero é poder esquecer. Tudo o que eu quero é olhar e saber, que não era eu quem estava errada, conseguir sentir, que não era eu a fingir.
Tudo o que eu quero...